Jairo era um dos principais da sinagoga. Tinha preconceito dos outros. Mas, por ser chefe, também era objeto de preconceito.
Pessoas importantes de comunidades grandes não gostam de se misturar com gentinha do gueto. Mas a filha de Jairo ficou muito doente, e ele, desesperado, foi procurar Jesus, pois acreditava nEle.
Não era fácil chegar onde Jesus estava. Até sua mãe e seus irmãos tentaram, porém as multidões que O seguiam eram grandes demais. Mas Jairo era chefe, e estava tão determinado que conseguiu chegar, e implorou a Jesus que fosse à sua casa ver sua filha.
O tesoureiro do grupo consultou a agenda do Mestre em seu palm-top e já ia objetar, mas Jesus concordou de imediato e mudou seu percurso, indo em direção à casa de Jairo.
No mesmo ano em que a filha de Jairo nasceu, uma mulher observou que a sua menstruação não acabava. Isto foi doze anos antes da história que estamos vendo. E passou uma semana, duas, um mês. Seis meses, e nada da menstruação acabar.
Ela procurou os médicos de sua cidade, que lhe receitaram um monte de ervas que não resolveram nada. Procurou os médicos da cidade vizinha, que lhe receitaram poções e dietas que não resolveram nada. Procurou os médicos da capital, estes lhe prescreveram beberagens e extratos, mas não resolveram nada.
Foi então ao hospital Sírio-Libanês, onde os médicos fizeram ultrassom, tomografia e dosagem de hormônios, e lhe disseram que teria que fazer uma histerectomia. Ela perguntou quanto custa, mas eles riram, e explicaram que tal cirurgia só existiria após dois milênios. “E mesmo assim não haverá em todos os lugares” – explicou um médico velhinho – “por que medicina de alta complexidade não dá votos. Os políticos preferem fazer obras que ajudem na eleição”.
E a mulher gastou tudo o que tinha tentando se curar, em vão. Continuava sofrendo e sangrando.
Naquela época, não havia absorventes femininos.
Os panos eram caros, a água era difícil. Por isso, a mulher era obrigada a viver longe dos outros. Não podia sequer tocar em outras pessoas, que também não podiam tocá-la, nem nos lugares onde ela encostava com seus panos ensangüentados. A lei era clara. Qualquer pessoa que ela tocasse, ou tocasse onde ela tivesse encostado, ficaria imundo.
Ela era imunda. E sofria muito mais preconceito.
Além de não poder tocar, não podia ser tocada. Outra lei muito clara, enquanto durasse o sangramento: ninguém poderia encostar nela.
Havia a dor da doença, anemia, fraqueza, palidez, e somado a isto, ela estava há 12 anos sendo tratada como imunda e sentindo-se imunda. Rejeitada. Evitada. Sem nenhum toque de carinho. Sem toque algum. É quase certo que seu marido já a houvesse abandonado.
Mas não estávamos falando do Jairo?
Sim, a história é do Jairo, da filha do Jairo que está doente, não sei por que esta imunda intocável veio se intrometer aqui.
Então, voltamos ao Jairo. Lá está ele, perto de Jesus, ansioso, apressado, sabendo que o tempo está contra ele. Sua filha está à morte.
A multidão é enorme, aperta, oprime, atrasa.
Não dá para andar ligeiro, mas ele tenta abrir caminho para que Jesus possa ver sua filha enquanto há tempo.
Dá prá piorar? Dá. Jesus pára de repente.
Todos param também. Pobre Jairo. Pobre da filha de Jairo. E Jesus informa: “alguém me tocou”.
Ora, só isso? Então, vamos adiante, sair do engarrafamento.
Os discípulos estranham aquela parada sem nexo. Ora, como assim, “alguém me tocou?” Se há milhares de pessoas ao redor, todos tentando passar por aquela rua estreita, todo mundo toca, esbarra, aperta.
Pedro acha a pergunta absurda, e já pensando em ser o 1º Ministro, questiona: “Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou?”
“Pedro tem razão”, pensa o Jairo. “Então, vamos adiante. Minha filha está morrendo”.
Mas Jesus continua parado. E explica para Pedro: “Sei sim senhor que todos me estão tocando. Mas houve uma coisa diferente, Pedro. Foi um toque diferente, pois senti que de Mim saiu poder”.
Pronto. Agora que parou mesmo. Tomara que a menina não morra.
E Jesus querendo saber quem o havia tocado. Um olha para o outro, outro olha para o outro... sim, há um culpado. Então, quem foi o engraçadinho que causou o problema todo?
Ora ora, se não é a imunda intocável!
Pálida, carente de afeto, pobre, fedorenta e imunda, imunda de sujeira e imunda perante a lei de Deus.
E com seus panos cheios de sangue doente, se apresenta. Acabariam por descobri-la.
Ela sabe muito bem a punição que a espera. A lei dizia que ela não podia encostar em ninguém, e só para chegar ali, ela havia contaminado centenas de pessoas. Uma imundície epidêmica. E agora, com seu toque, torna o Filho de Davi também um imundo. A partir deste momento, Jesus, para cumprir a lei, precisaria se afastar da multidão, tomar um banho e ficaria imundo até anoitecer.
Mas a intrometida-imunda-pálida-fedorenta-miserável e carente de um beijo ou abraço há doze anos, traz outra informação: Está curada! Acabou de transgredir a lei e consegue tudo o que mais queria em sua pobre vida!
E agora, seria morta? Sim, vamos apedrejá-la.
Mas, espera. O Mestre vai falar com ela:
“Tem bom ânimo, filha, a tua fé te salvou; vai em paz.”
Tudo bem. A multidão ali aceita o que o Homem diz. Os chefões, os príncipes da sinagoga, não gostam de Jesus, mas ali estava o Jairo e sua filha estava morrendo.
Não era essa a nossa história até a imunda aparecer? Sim. Mas a mulher já não está mais doente. Está feliz, salva e em paz.
Podemos agora ir prestar atenção na menina?
Vamos lá, correndo.
Mas aparece outro príncipe da sinagoga, e fala ao Jairo que tem duas notícias, uma boa e uma ruim:
- Começe pela boa.
- Ok. Vocês não precisam correr mais, podem relaxar, e o Mestre não precisa mais ser incomodado.
- Tá... mas e a notícia ruim?
- A menina morreu. O problema acabou.
Pobre Jairo. Fica pálido como antes era a mulher hemorrágica.
Ia começar a chorar, mas Jesus se intromete na conversa e diz: “Não temas; crê somente”.
Como assim, tão fácil? A menina morreu! Está mortinha da silva. Tudo culpa da imunda, que veio atrasar o socorro.
Mas Jairo não reclama nem se faz de vítima, embora a preferência fosse dele. A outra é que veio se intrometer. Transgrediu a lei, e ainda “roubou” um milagre. Sim, ela não pediu para Jesus curá-la, nem mesmo pediu para Ele deixar que ela O tocasse.
O que seria nova transgressão da lei. Ela forçou a situação, enganou a todos e fez algo escondido até mesmo de Jesus, apenas pensando em benefício próprio. Sim, ela não fez aquilo pensando na paz mundial ou para impedir a matança das baleias. Ela “roubou” o poder de Jesus, algo saiu dEle. E saiu dali curada e salva!
Chegando à casa de Jairo, novamente o Homem fala coisas bobas. Deve estar meio lelé da cuca.
Todo mundo sabe que a menina está morta, e Ele, coitado, acha que ela só está dormindo.
O que a gente faz quando vê pessoas bobas ou argumentos bobos? A gente ri deles.
E assim, muitos começaram a rir, e então Jesus pede que todos se afastem. Fica só com os que acreditam nEle e que não tratam suas palavras com desdém.
Jesus já havia transgredido a lei ao não se isolar após o contato imundo. Mas, naquela época já existiam os sofistas gregos, que sempre tem respostas para tudo e nunca perdem uma discussão. Eles poderiam argumentar que quando a imunda tocou Jesus, este "não sabia".
Agora, estamos diante de outra situação. Um morto. Um cadáver. E a lei diz que não se pode tocar em um cadáver. E a lei especifica sobre os sacerdotes, estes não podem tocar nem mesmo o cadáver dos parentes mais queridos, como o pai ou a mãe. Se alguém então quer ser sacerdote, mesmo que sob a ordem de Melquisedeque, jamais poderá tocar um morto.
Portando, Jesus deve entrar no quarto, olhar a menina de longe, e dizer que ela ressuscite.
Se pegar em sua mão, certamente estará se tornando mais imundo ainda e voltando a transgredir a lei de Deus.
“Mas Ele, pondo-os todos fora, e pegando-lhe na mão, clamou, dizendo: Levanta-te, menina” (Lucas 8.54).
Louvado seja Jesus.
Deus, Rei dos reis, Senhor dos senhores, Soberano.
Por Tales Fonseca, texto adaptado.
Como Jesus tratava os preconceituosos
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