Todo dia é dia da criança

É impressionante detectar a forma com que o mundo direciona sua “atenção” às crianças. No Brasil, especificamente, ao lançar nosso olhar para a data comemorativa do Dia das Crianças, instituída através do decreto nº 4867, veremos que a sociedade não entendeu seu verdadeiro sentido, uma vez que esta data passou a ser celebrada a partir de uma campanha de marketing elaborada por uma famosa indústria de brinquedos, a qual inicialmente, lançou a chamada “Semana do Bebê Robusto”. Na ocasião a iniciativa atraiu outras indústrias do ramo, as quais posteriormente lançaram a “Semana da Criança" com o objetivo de alavancar a vendagem de brinquedos.

Com os objetivos alcançados, esses empresários empunharam a bandeira da comemoração do dia 12 de Outubro para aumentar seus ganhos. Pena que este dia não sirva como reflexo real de uma atenção, que deveria ir muito além do que a possibilidade de compra de produtos imposta verticalmente pelo sistema capitalista, uma vez que nem todas as crianças têm acesso ao mínimo necessário para subsistir com dignidade. Basta olhar ao redor e vê-las abandonadas, carentes, destituídas e violadas em seus direitos amplamente preconizados pela legislação vigente, para perceber que elas precisam muito mais que uma simples data comemorativa para realmente serem lembradas. Elas precisam ser percebidas e respeitadas cotidianamente.

Nossas crianças trazem consigo sonhos que não são apenas seus, mas também de pais e familiares, os quais geralmente não são alcançados pelas políticas públicas; saúde e educação de qualidade, habitação, esporte, cultura entre outros. Esta parcela da população passa por um processo de discriminação por via de fato, uma vez que não é alcançada pelo poder público em suas aspirações mais básicas, ficando excluída inclusive da possibilidade de consumir produtos e brinquedos que sugerem transmitir homenagem aos pequeninos.

Por outro lado, a classe social considerada elevada e privilegiada por bens e serviços de qualidade, vive muitas vezes em uma total situação de dormência e neutralidade da consciência. Por ter poder aquisitivo elevado, não consegue perceber que esta data (bem como outras datas comemorativas) lhe impõe o ritual do consumo desenfreado, o qual serve apenas para aumentar o circulo vicioso do lucro dos detentores de uma riqueza, que jamais será socializada justamente em sua plenitude.

A necessidade de bem estar e felicidade, firmadas nos moldes afetivos como o carinho, o abraço apertado, o aparente humilde passeio no parque de mãos dadas, ou a visita familiar e constante á igreja, passam a ser substituídos pelo corre-corre aos shoppings, às praças de alimentação, às compras produzidas e reproduzidas pelo del prazer.

Há também pais, que por não fazerem parte de uma classe social com o "status" que lhe garantam um elevado padrão de vida, vivem em um ritmo de dedicação praticamente exclusivo ao trabalho, em duplas ou triplas jornadas na tentativa de conquistar determinado estilo de vida. Portanto, muitas vezes lançam sobre essa data, suas expectativas de compensação da ausência provocada, oferecendo aos filhos os presentes mais caros, como computadores e vídeo game, os quais embora conquistem a garotada de um modo geral, sem o acompanhamento de um adulto podem reproduzir violência e escravizar suas mentes.

De qualquer forma esses pais na verdade, não fazem mais do que ignorar que as necessidades mais importantes de uma criança envolvem sentimentos afetivos, como um pequeno gesto de carinho, uma palavra amiga, um sorriso sereno, um cumprimento de manhã, um abraço ao anoitecer, um passeio e a presença, enfim, a demonstração do amor através de gestos ou brincadeiras que jamais serão encontrados expostos em vitrines, pois não se pode comprar em lugar nenhum deste mundo.

Lucinéia Costa

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